"A Família Real no Brasil"
Houve muita confusão no embarque e a viagem não foi fácil.
Uma tempestade dividiu a frota; navios estavam superlotados, daí resultando falta de comida e água; a troca de roupa foi improvisada com cobertas e lençóis fornecidos pela marinha inglesa; para completar, o ataque dos piolhos obrigou as mulheres a raspar o cabelo.
Mas esses aspectos novelescos não podem ocultar o fato de que, a partir da vinda da família real para o Brasil, ocorreu uma reviravolta nas relações entre a Metrópole e a Colônia.
A vinda da Família Real para o Brasil, conforme expôs Boris Fausto (2004), trouxe mudanças para o sistema colonial.
A transferência da Corte portuguesa para a Colônia foi uma das consequências do processo expansionista de Napoleão Bonaparte na Europa Ocidental.
Ao impor o Bloqueio Continental ao comércio entre ingleses e demais países do continente, os franceses afetaram diretamente Portugal.
Em novembro de 1807, as tropas francesas foram em direção a capital portuguesa.
A saída pensada pelo Príncipe Dom João foi o embarque para o Brasil, transferindo entre os dias 25 e 27 de novembro a “máquina” administrativa da Coroa para a Colônia, ministros, conselheiros, juízes da Corte Suprema, funcionários do Tesouro, patentes do exército e da marinha e membros do alto clero.
A chegada de Dom João ao Brasil em 22 de maio de 1808 inaugurou uma nova etapa na história da Colônia, agora detentora da sede administrativa da Coroa lusitana.
A transferência deste aparato burocrático da Metrópole para a Colônia e os desdobramentos do Bloqueio Continental imposto por Napoleão Bonaparte na Europa Ocidental.
Foi um caso singular nas relações coloniais, despertando o interesse de diversos historiadores que buscaram compreender este evento.
A interiorização da metrópole e outros estudos, afirmou que a vinda da Corte portuguesa para a Colônia proporcionou o enraizamento do Estado português no Centro-Sul do Brasil, transformando a Colônia em uma metrópole interiorizada.
As mudanças ocorridas com a transferência da Corte para o Brasil começaram tão logo se instalaram os elementos do aparato burocrático.
Dom João, em 28 de janeiro de 1808, decretou a abertura dos portos às nações amigas.
Nesse caso, tratava-se do encerramento do sistema colonial que perdurara por mais de trezentos anos, conferindo legitimidade às relações comerciais entre o Brasil e a Inglaterra.
Outras alterações foram realizadas pelo príncipe regente: revogação de decretos que proibiam a instalação de manufaturas na Colônia, a importação de matérias primas para a indústria ficou livre de tributos e concessão de subsídios às indústrias de lã, seda e ferro.
Essas medidas agradaram e beneficiaram a Inglaterra, que passou a comercializar seus produtos manufaturados no Brasil.
Os proprietários rurais também foram contemplados com essas medidas, possibilitando o comércio de seus gêneros, destinados à exportação, com mercados externos além do português. Boris Fausto (2004), em História do Brasil, nos adverte que “[...] a escalada inglesa pelo controle do mercado colonial brasileiro culminou no Tratado de Navegação e Comércio, assinado após longas negociações em fevereiro de 1810” (FAUSTO, 2004, p. 124).
Podemos afirmar que esse tratado buscou garantir mais um benefício para a Inglaterra e seus produtos.
As mercadorias inglesas comercializadas no Brasil seriam taxadas em 15%, taxa inferior aos 16% cobrados aos produtos portugueses e aos 24% das demais nações.
Ainda em 1810, foi firmado outro tratado entre Portugal e Inglaterra, o Tratado de Aliança e Amizade que refletiu no tráfico de escravos para o Brasil. Pelo acordo, ficava estabelecido que “[...] a Coroa portuguesa se obrigava a limitar o tráfico de escravos aos territórios sob seu domínio e prometia vagamente tomar medidas para restringi-lo” (FAUSTO, 2004, p. 125).
Após o término da guerra contra as tropas de Napoleão, Portugal assinou novo tratado que determinava mais restrições ao
tráfico de escravos, inclusive com a permissão para “visitar” navios que fossem suspeitos de transportar escravos.
Para além das questões políticas, administrativas e econômicas, a vinda da Família Real para a Colônia transformou culturalmente parte do Brasil, especialmente a cidade do Rio de Janeiro.
Segundo Luiz Carlos Villalta e André Pedroso Becho (2008), as mudanças efetivadas com a transferência da Corte para o Rio de Janeiro foram sentidas na vida e nos costumes, sendo que:
Os anos da permanência da Corte no Brasil (1808-1821) trouxeram mudanças radicais na vida e nos costumes da antiga colônia. Nesse processo, D. João, longe de ser um bobalhão, mostrou-se um político hábil.
Governou na confluência de interesses da Corte portuguesa, da abastada sociedade fluminense e, de resto, da região Centro-Sul do Brasil, cujo apoio econômico e político era essencial para a sobrevivência da monarquia.
Como contrapartida ao suporte financeiro de grandes comerciantes e proprietários, o rei fez farta distribuição de mercês e títulos.
O que determinava o Tratado de Navegação e Comércio?
As mudanças foram implementadas na tentativa de copiar o modo de vida europeu, buscando adequar o espaço urbano e social.
Assim, criou-se a imprensa régia, a biblioteca, o horto e transplantaram-se as cerimônias realizadas nas cortes europeias.
Destacamos também, a presença de cientistas e viajantes estrangeiros no Brasil neste contexto oitocentista que buscaram analisar e escrever suas impressões acerca do que encontraram pelo Brasil, exemplo do zoólogo Spix, do botânico Martius e dos pintores Taunay e Debret.
A transferência da Corte para o Rio de Janeiro redefi niu não só a relação entre Metrópole e Colônia, mas também as dinâmicas organizacionais, políticas e econômicas antes estabelecidas no Brasil.
A região Centro-Sul passou a ser o centro das decisões políticas e principal eixo econômico, formando uma forte elite regional que se envolveria diretamente nas articulações para o processo de independência do Brasil.
A região do que hoje conhecemos como o Nordeste brasileiro, até então a principal área econômica da Colônia, perdeu espaço na hierarquia política econômica do Brasil.
A Revolução Pernambucana de 1817 - A desigualdade regional causada com a instalação da Família Real no Rio de Janeiro pode ser colocada como um dos motivos de descontentamento no “Nordeste”.
Paralelo a essa questão, podemos incluir o crescente aumento de impostos cobrados para cobrir os gastos com a Corte e com as batalhas militares impetradas por D. João na região do Rio da Prata.
A combinação desses problemas é frequentemente apresentada como sendo parte dos fatores para a invasão do movimento que ficou conhecido como Revolução Pernambucana de 1817.
Esse movimento contou com uma ampla participação.
Essas transformações urbanísticas realizadas pela Corte portuguesa no Rio de Janeiro atendiam a toda população?
A quem se destinavam esses novos espaços de sociabilidade?
Para as camadas pobres da cidade, a independência estava associada à ideia de igualdade, uma igualdade mais para cima do que para baixo [...].
Para os grandes proprietários rurais, tratava-se de acabar com a centralização imposta pela Coroa e tomar em suas mãos o destino, se não da Colônia, pelo menos do Nordeste.
A revolução começou na cidade de Recife e alcançou o sertão em estados como Paraíba, Alagoas e Rio Grande do Norte, apartir do movimento no Recife, implementou-se na região do levante um governo republicano que previa a igualdade de direitos e liberdade religiosa.
Após 74 dias de conflitos entre os revolucionários e as forças da Corte, a Revolução Pernambucana de 1817 foi sufocada com a prisão e a execução dos líderes.
Apesar da derrota, a Revolução Pernambucana representou um grande marco no processo de contestação do domínio lusitano no Brasil e propagou e sedimentou os ideais republicanos na região, conforme veremos nos movimentos ocorridos posteriormente em Pernambuco.
A Independência do Brasil
A Independência se explica por um conjunto de fatores, tanto internos como externos, mas foram os ventos trazidos de fora que imprimiram aos acontecimentos um rumo imprevisto pela maioria dos atores envolvidos, em uma escalada que passou da defesa da autonomia brasileira à ideia de independência.
O processo de independência do Brasil foi gestado, conforme expõe Boris Fausto (2004), a partir de variados fatores.
O Brasil, em 1815, com o fim dos combates contra as tropas francesas, passou a integrar o Reino Unido a Portugal e Algarves.
Com esta decisão, Dom João (Dom João VI com a morte da rainha) reorganizava a monarquia portuguesa e extinguia a relação metrópole-colônia existente até então.
Em 1820, surgiu na cidade do Porto um movimento de contestação ao processo que vinha se desenvolvendo ao longo dos anos de transferência da Corte para o Brasil.
A Revolução Liberal de 1820 exigia, dentre outros pontos, o retorno do rei D. João VI a Lisboa, mudanças políticas e econômicas e uma nova constituição.
A nova constituição garantia a soberania da nação, delimitava os poderes do soberano, dissolvia a Inquisição, abria os empregos públicos à cidadania, impunha a liberdade de imprensa, terminava com os privilégios eclesiásticos, assegurava os direitos individuais e de propriedade.
Entretanto, Portugal era apenas uma nação agrícola atrasada.
O passado de esplendor devia-se à exploração parasitária das colônias, em geral, e do Brasil, em especial.
O liberalismo português, no que se refere ao Brasil, assumia um caráter recolonizador.
A independência seria para Portugal, não para o Brasil.
Assim, a Revolução Liberal de 1820 apresentava ambiguidades no plano político para o reino lusitano.
A postura liberal não era colocada em prática quando se pensava no Brasil. Essa contradição foi sentida pelos “brasileiros” quando os revolucionários convocaram as Cortes (Parlamento português) e aprovaram medidas restritivas à liberdade administrativa e ao comércio do Brasil.
A saída buscada por Dom João VI para tentar contornar a crise foi o retorno a Portugal, deixando seu filho Pedro no Brasil como príncipe regente.
Esta situação agradou parte da elite política e econômica do Brasil, pois garantia a manutenção dos privilégios conquistados desde a chegada da Família Real.
Entretanto, as Cortes pressionaram pelo retorno também de D. Pedro a Portugal. Em resposta as pressões das Cortes, o príncipe regente decidiu ficar no Brasil.
No dia 09 de janeiro de 1822, o Dia do Fico, marcou-se a opção pela ruptura.
Dentre as medidas adotadas por Dom Pedro estavam a criação de um exército, a formação de um novo ministério e a posterior convocação de uma assembleia constituinte.
Ainda em 1822, essas decisões tomadas por Dom Pedro foram revogadas pelas Cortes.
A independência do Brasil, proclamada em 07 de setembro de 1822, resultou, como vimos, de fatores internos e externos.
A aliança estabelecida entre a elite rural brasileira e Dom Pedro proporcionou uma ruptura sem grandes transformações e participação popular, mantendo os privilégios e garantindo o nascimento de uma monarquia.